Ao final da década de 1950, publicações pornográficas também conhecidas como “catecismos” eram notórias na cultura masculina. Adquiridas clandestinamente, passavam de pai para filho, servindo como manuais de iniciação sexual. Essas “revistinhas de sacanagem” como eram conhecidas, possuíam uma variedade de histórias eróticas (Parker, op. cit. p. 99) ilustradas com figuras de sexo explícito. As mais populares eram as de Carlos Zéfiro (pseudônimo de Alcides Aguiar Caminha, cuja identidade somente foi revelada em 1991 numa reportagem de Juca Kfouri na Playboy.
Alcides era uma pacato funcionário público, razão pela qual temia ser descoberto, o que poderia custar o seu emprego. As histórias pornôs de Zéfiro, autor de quase 1000 brochuras vendidas clandestinamente nas bancas de jornais, desafiou a ditadura militar. Segundo Celso Fonseca (1997), Zéfiro parou de desenhar em meados de 1968 devido à perseguição da ditadura e a concorrência desleal das revistas dinamarquesas, que aqui chegaram com fotos de sexo feitas sem nenhuma censura.
“ O esquema de distribuição não era só alternativo, era brasileiro. Como a repressão era brava, os jornaleiros tinham que disfarçar os catecismos ... vendendo-os dentro de outras revistas. Fala-se até que os jornaleiros foram os que mais ganharam, pois o leitor era obrigado a comprar duas revistas. No quadro de repressão pós-64, as revistinhas de Carlos Zéfiro representavam verdadeira guerrilha cultural (...) Dando um drible na ditadura, Carlos Zéfiro e suas revistinhas foram responsáveis pela educação sexual de toda uma geração (...) O que não se falava em casa, lia-se em Carlos Zéfiro”.
(Underweb – A Internet Subterrânea, 2001)
Já nos anos de 1960, Fairplay revela a modernização da revista masculina, seguida por Ele Ela. Ambas sofreram intervenções da censura por traduzirem a nudez feminina de forma mais ousada.
Tabela 2 – Cronologia das Revistas Masculinas
ANO TÍTULO
1908 O Rio NU
1922 A Maçã
1925 Shimmy – Revista da Vida Moderna
1950 As revistinhas de Carlos Zéfiro
1966 Fairplay
1973 Ele Ela
1974 Status
1975 Homem
1978 Playboy (nova denominação da revista Homem)
1993 Sexy
1994 VIP
1997 G Magazine
1999 Íntima e Pessoal
A produção de livros ou revistas de teor erótico, controversos ou não, aumentou o espaço da intimidade, revelando um homem mais verdadeiro “que pode ser surpreendido no espaço privado e íntimo, onde as relações de afeto são naturais em oposição aos terríveis interesses do mundo material e social”(Lázaro, 1996). Esse retorno à interioridade transforma a abordagem do prazer numa excelente oportunidade de mercado para a literatura e o comércio (op. cit. p. 194). A sexualidade, então, se converte em um objeto de discussão intensamente difundido por sua relevância na esfera social.
Numa obra literária, a capacidade criadora do autor é a mola mestra para seu reconhecimento no mercado editorial. Essa notoriedade estará vinculada à forma como dá vida à narrativa e à criação dos personagens, sejam eles heróis ou bandidos, castos ou promíscuos, virtuosos ou sem escrúpulos.
“De fato, se a literatura erótica é perigosa para os costumes, não o é mais do que todas as outras espécies de literatura que lemos renunciando ao nosso censo crítico. É acusada de incitar à orgia, mas os tratados de magia levam a superstições igualmente nocivas. A literatura policial pode incitar ao roubo e ao assassinato e mesmo a literatura religiosa à perseguição fanática dos não-crentes, quando elas alimentam um espírito fraco convencido de que o texto impresso indica infalivelmente o que se deve fazer. Os livros nos informam sobre o que os outros homens pensam ou imaginam, é só: conservamos a liberdade de adotar ou rejeitar seus princípios.” (Alexandrian, 1993)
A temática do prazer, vinculada ou não à lógica da mercadoria, ainda que atrelada aos discursos da cultura de massa e da publicidade, representa uma libertação dos limites impostos pela repressão, transformando-se em algo que exige maiores reflexões, já que atualmente vivemos um redimensionamento da sexualidade, anteriormente empobrecida pela concepção clássica de sexo vinculado à reprodução, para outra mais rica, primando pela realização sexual.
Se os personagens das publicações eróticas são indecentes, sádicos ou fora do padrão de normalidade, abrem espaço à discussão ética da sexualidade.
Texto de Patricia Cardoso in
As Revistas Femininas e a Abordagem da Sexualidade.